sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Verdade na acessibilidade

A acessibilidade para pessoas com deficiências aos sítios da administração pública está regulada pela Resolução de Conselho de Ministros nº 155/2007. Mais detalhes podem ser encontrados no sítio da UMIC nas páginas dedicadas a acessibilidade.
É natural esperar que os sítios da administração pública publicitem as condições de acessibilidade que satisfazem. Tal é feito através de variados logotipos.
Uma dúvida no entanto é natural. Será que acessibilidade anunciada é de facto verificada? Infelizmente podemos verificar com exemplos triviais que a resposta é não.

Consideremos o sítio dos Contratos Públicos online. O sítio exibe na sua página de entrada o logotipo de conformidade com o WCAG 1.0 que é justamente o standard do W3C que deve ser respeitado ao nível A de acordo com a Resolução de Conselho de Ministros. O logotipo sugere a conformidade ao nível AAA o que é algo bastante mais exigente. Para verificarmos a conformidade vamos usar os testes incluídos com a extensão Web Developer do Firefox. Escolhendo Validate WAI no menu Ferramentas (isto é equivalente, na configuração por omissão, a correr a ferramenta Cynthia says) obtém-se que a página de entrada do portal falha:
  • A existência de texto alternativo para imagens.
  • A não utilização de código HTML obsoleto.
  • A indicação de meta tags importantes como keywords ou language.
  • A inclusão de label nos elementos dos formulários.
  • A identificação da língua usada no documento.
A primeira falha invalida a conformidade ao nível A, enquanto as restantes afectam os níveis AA e AAA. Portanto o logotipo é claramente despropositado e nem sequer a conformidade ao nível A imposta na legislação portuguesa é verificada.
As falhas apontadas são aquelas que conseguimos detectar automaticamente. Algo que devo fazer notar é que nem todos os verificadores automatizados de acessibilidade dão as mesmas indicações e há pontos que não são susceptíveis de verificação automatizada.
O Examinator da UMIC dá mais algumas indicações:
  • Não existência de alternativas a javascript.
  • Ainda mais atributos obsoletos de HTML.
  • Erros de CSS.
  • Uso de medidas absolutas nas folhas de estilo.
  • Uso de tabelas a despropósito.
  • Mais do que um cabeçalho de nível 1.
  • 221 erros de validação (de HTML).
  • Problemas com o título da página.
O examinator é um pouco fundamentalista relativamente à interpretação do standard mas não restam dúvidas: o sítio dos Contratos Públicos online não satisfaz a legislação portuguesa sobre acessibilidade de uma forma bastante óbvia! Mais grave: afirma despudoradamente o contrário.

domingo, 18 de outubro de 2009

Câmara Municipal de Lisboa emula(?) Fix my Street com naminharua

Agora que saímos das eleições autárquicas não há nada mais apropriado para um blog que se propõe analisar as relações entre a administração pública e a web do que começar com o novíssimo portal da CML, naminharua de seu nome, que emula o britânico Fix my Street (quem o diz é o Público, veremos se é verdade).
O facto teve honras de notícia no Público que lhe chama em título um Portal de Queixas (pois, mais um título preciso; duvido que sirva para nos queixarmos sobre a taxa de esgoto...) e relata dificuldades de funcionamento. As dificuldades de funcionamento parecem a frustração dos masoquistas que ainda usam Internet Explorer 6 (~13% dos ~55% de utilizadores que usam Internet Explorer de acordo com as estatísticas de outro portal completamente diferente), lentidão, aquele sempre preciso diagnóstico mas que no meu caso corresponde a um Aguarde... de cerca de 1 minuto ao meio dia de Domingo, o que possivelmente neste caso quer dizer que, tendo o portal aberto imediatamente antes das autárquicas, estava e está tudo um pouco preso por arames e, finalmente algo bem concreto e relevante, a necessidade de instalar Microsoft Silverlight 3.0, algo um "bocadinho" difícil se se usa Linux.
A comparação com o Fix my Street é um pouco descabida. Aquele portal britânico é operado por MySociety.org e não por uma câmara municipal ou por outro organismo governamental. O que se vê ao entrar no naminharua é um mapa interactivo de Lisboa supostamente para assinalar as nossas queixas. Outras queixas já publicadas por outros primam pela ausência enquanto que no FixMyStreet é a primeira coisa que se vê.

Depois de duas actualizações do moonlight consegui chegar (depois da habitual espera de cerca de 1 minuto) a um formulário de submissão da ocorrência em que a primeira coisa que é pedida é o NIF (!) e ou outros campos pedidos parecem ser um sonho de uma agência de telemarketing. Será que a CML pretende cobrar IVA a quem denunciar um buraco num passeio? Será que esta base de dados passou pela Comissão Nacional de Protecção de Dados? Note-se que os dados parecem ser transmitidos por http sem qualquer encriptação a não ser que tal seja feito internamente ao silverlight. Ainda não consigo submeter o que quer que seja pois não consigo fazer escolhas em menus.
Curiosamente o portal parece ter uma interface toda ela assumindo que não estamos em Portugal: distâncias em jardas e milhas, impossibilidade de introduzir caracteres com acentos.
O diagnóstico da qualidade técnica do portal é o habitual em portais desenvolvidos com tecnologias Microsoft. Há erros de HTML e a acessibilidade para pessoas com deficiências falha os critérios da Resolução de Conselho de Ministros 155/2007.
Enfim: uma ideia razoável, desenvolvida com pouco cuidado e tecnologias não universais e minimamente estáveis.

Apresentação

Um blogue para analisar a recente e atribulada relação entre a administração pública portuguesa e a internet...
Recente porque a world wide web é recente, à volta de 15 anos ainda está na adolescência, e a consciência, vaga e ingénua entre a administração pública, de que serve para alguma coisa, algo que ainda mais jovem é.